sexta-feira, 8 de maio de 2009

Triste vazio indizível

A Mulher dirige o carro na pista do meio. O sinal amarela e ela diminui. Um cara numa caminhonete sai da pista da esquerda e entra atrás dela. O sinal fica vermelho. Ela vai brecando suave, olhando pelo retrovisor, enquanto a caminhonete se aproxima um pouco mais depressa do que deveria. Solta o pé do freio um pouquinho e deixa o carro deslizar para cima da faixa de pedestres. A caminhonete vem e bate. Nada grave, dá para perceber. O passageiro do carro vizinho diz a ela que nada aconteceu. Ela diz que precisa ir ver, até por consideração, desce do carro e vai olhar o que aconteceu. O motorista da caminhonete (que leva um menino de uns 8, 9 anos) desce também, já xingando.

– Pô, sua vaca, você parou no sinal amarelo! Vaca! Burra!

Ele me chamou de vaca e de burra porque parei no sinal vermelho! Ela respira fundo e responde.

– Não, eu parei no vermelho.

E vai voltando para o carro.

– Você é burra, mesmo, sua vaca, filha da puta, o cara continua.

Ela perde a paciência, se vira e levanta um pouco a voz.

– Para de ser grosso, eu parei no vermelho!

Outra vez vai em direção ao seu carro. O cara pega a caminhonete e se aproxima para atropelar a mulher. É, para passar por cima daquela mulher que ousou parar no sinal vermelho e por isso foi xingada de vaca, de filha da puta e chamada de burra pelo machista que dirige o carro com pressa e acha que pode dar uma passadinha no vermelho porque o sinal acabou de fechar. Ela pula pra dentro do carro e se salva por pouco. De ser atropelada. Porque nessa hora a raiva lhe sobe à cabeça. O sinal abre e ela sai. Ultrapassa o assassino e vai, olhando para o retrovisor e pisando no freio de tempos em tempos. Berra, se desespera, fica indignada, se transforma numa assassina tão louca quanto o cara. Finalmente ele consegue ultrapassar e acelera. Ela sai atrás dele como uma maluca, berrando sozinha e procurando um carro da CET, ou da polícia, ou de quem quer que seja que possa fazê-la parar.

Até que, numa esquina, a caminhonete vira à direita e ela segue em frente. Ofegando, com os olhos vermelhos, o rosto todo molhado. Não há para onde ir, não há o que fazer. Restou apenas o triste vazio indizível.

3 comentários:

  1. Ma,

    tem dia que nossa vida vira filme.
    se imaginarmos e relatarmos antes do ocorrido, tem espirituoso que vai dizer que é trabalho de roteirista muito criativo.
    bom, o que importa é viver vários roteiros, alguns como roteiristas mesmo e outros com generos que nunca imaginamos.
    continua com a palavra e com o concreto, é seu caminho.

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  2. Márcia, adorei a pequena ficção sobre Luara Lua. Eu sei que você é muito criativa e inteligente, mas não desconfiava que escrevesse tão bem. O texto é delicioso, pesado, mas maravilhoso. É bom escrever assim, lava a alma. É bom pra você e pra quem lê. Eu me identifiquei muito com a personagem. Parabéns, obrigada pela indicação. Já está nos meus favoritos.

    Um beijo grande, Mari

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  3. Ah, esqueci de dizer que no final ficou tudo bem, né? A NOSSA Lua agora respira um novo ar.

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