sexta-feira, 3 de abril de 2009

Dra. Walkyria

Dra. Walkyria é pequenininha, tem uns cabelos longos grisalhos, sem tintura, presos num rabo de cavalo baixo que lhe cai pelas costas. Veste um jaleco branco e caminha lépida, mas com suavidade, pelos cômodos do consultório despojado. Não há objetos decorativos de design, não há música New Age, não há nada que possa distrair os sentidos, só o imprescindível, o indiscutível, sem maquiagem. Vou atrás dela até a sala enquanto me pergunto se deveria mesmo estar ali. Ela me foi recomendada por pessoas de que gosto muito e em quem confio, por isso resolvi tentar… Entro na sala e ouço o famoso – E então?… que os médicos costumam pronunciar no início de uma consulta. Conto sobre a minha vida, o cansaço, as duas filhas pequenas, o trabalho, o nervosismo, o marido. Ah, e tem um detalhe (que sei que não deve ter muita importância, mesmo, pois meu antigo homeopata, que me tratou por mais de vinte anos, sempre me olhou com aquela cara de enfado, como quem diz que eu só reclamo, que não sei dar limites, que me estresso por muito pouco, toda vez que esbarro no assunto): minha filha mais nova (na época com dois anos) anda acordando umas cinco ou seis vezes (!!) por noite. Abre os olhos, grita, chuta tudo, inclusive os pais, mas aparenta não estar acordada. Não aceita um colo, um carinho. Parece em transe. Nada do que fazemos consegue acalmá-la. Enquanto conto para a médica, me desculpo, justifico minha humanidade, minha falência como mãe, como ser humano, peço perdão pelo meu desconcerto, pelo meu desacerto. – Eu sei que não é nada, que deve ser loucura da minha parte, que os bebês acordam durante a noite (embora ela não seja mais exatamente um bebê, embora acordar de 5 a 6 vezes por noite já esteja completamente fora da normalidade), que essas olheiras são o mínimo que se pode fazer pelos filhos, enfim… Dra. Walkyria ouve, faz aqueles ran-rans de tempos em tempos e depois diz: – Eu não conheço sua filha, mas acho que ela pode estar com terror noturno. Terror noturno?! Eu imaginava gritos pavorosos pela madrugada, pesadelos terríveis, medos incontroláveis, visões indescritíveis. – Vamos dar um remédio para ela e ver o que acontece. Conforme a evolução, decidimos o que fazer. Para você, alguns exames da tireóide, só para ter certeza de que não há nada mais nesse seu cansaço, nesse seu nervosismo. Dois meses depois, passamos a dormir a noite toda outra vez. Quatro meses depois, perdemos o sono novamente. Após perambular por outros médicos (especialistas), realizar incontáveis exames, receber um diagnóstico terrível, me angustiar, sou operada para retirar um câncer da tireóide. Dra. Walkyria teve a paciência e a generosidade de olhar para mim com o olhar do imprescindível, sem maquiagem, sem preconceitos. Por causa dela me encontrei num lugar terrível, cuja silenciosa escuridão foi vital encarar, que eu não imaginava que pudesse existir dentro de mim. Sem ela, teria me perdido para sempre, teria encontrado lugar nenhum.

Um comentário:

  1. li e vivi,
    vc viveu, escreveu e renasceu,
    por mais terrível que tenha sido,
    é nossa história,
    que carinhosamente continuamos
    a compartilhar

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