domingo, 22 de março de 2009

Exame de Imagem

Sigo a enfermeira e entro numa sala exígua, de 1,0mx1,5m. Recebo um avental, umas pantufas, algumas instruções e uma ficha para preencher. A enfermeira me diz para aguardar que a técnica já virá me buscar. Tiro a blusa, visto o avental, as pantufas e começo a preencher a ficha. Terminei. Abro a porta e me sento à espera da tal técnica. A sala é toda branca, com uma luz fria, o chão de linóleo branco com umas manchinhas cinzas e marrons. Tudo combina com o avental marrom claro, quase bege. As únicas cores vivas da sala são minha camiseta cor de rosa e minha enorme bolsa amarela penduradas num gancho que sai da parede. O resto tem essa neutra monocromia hospitalar, inclusive eu, que começo a me sentir amalgamada com o lugar. Espero um pouquinho e aparece a técnica. Me leva para outra sala, comprime meus peitos numa máquina enorme, primeiro na vertical, depois na horizontal, tira chapas. Então fala para eu voltar para a salinha que logo virão me chamar para fazer os outros exames. Ótimo. Já vai acabar. Sento-me na cadeira também bege e espero. De vez em quando vejo alguma enfermeira passar, depois uma paciente de avental cinza, uma mãe com duas crianças que choram assustadas, outra paciente, outra enfermeira. Nada da MINHA enfermeira. Vejo um revisteiro no corredor, saio da sala e apanho uma revista sobre piscinas. Folheio. Os projetos são ruins, as fotos são ruins, as reportagens são ruins. Tento outra, sobre churrasqueiras. Mais um fiasco. O tempo está parado. Parece que nada vai acontecer nas próximas horas. Então me abandono aos meus pensamentos. Primeiro percebo que meu maxilar travou, que estou rangendo os dentes acordada. Resolvo pensar no blog, numa receita de comida, mas fico absolutamente tomada pelo pânico. Só me resta rezar. Gasto todo meu estoque de fé (se é que tenho alguma) rezando e pedindo a Deus, ou a quem quer que tenha algum poder de decisão nesta hora, para que os exames estejam todos ótimos. Já tratei os funcionários todos (desde o manobrista, a atendente, todas as enfermeiras, a técnica, com a maior educação). Como se isso pudesse garantir algum sucesso nos exames (além, é claro, de serem regras básicas de convivência). Mas na salinha meus gestos medidos, meu sorriso gentil não conseguem me garantir nenhuma tranquilidade. Rezo com mais força. Penso nas meninas. Daqui a pouco tenho de ir buscá-las na escola. O tempo congelado. Ninguém vem me chamar. Só sinto medo. E rezo. Não dá mais para ficar sentada naquela cadeira olhando a luz fria que desce do forro. O espelho do fundo não amplia o espaço, apenas me diz a verdade: você está horrível, cada dia mais velha, com olheiras e esse tom de pele amarelado. Deve mesmo estar doente. Não resta a menor dúvida. Dou as costas para o espelho, miro o corredor. Talvez caiba a mim descongelar o tempo. Saio da salinha e pergunto a uma enfermeira que está por ali se ela sabe de alguma coisa, pois tenho que sair para buscar minhas filhas na escola daqui a pouco (ainda bem que tenho minhas filhas!). Ela vai investigar, diz que volta já com notícias. De novo eu, o espelho, meus pensamentos. O rosa da minha blusa é bonito, tem um quê de amarelo, parece uma pétala de flor. Já o amarelo da bolsa, apesar de bonito também, com um toque de magenta, como gema de ovo, enfatiza minha doença refletida no espelho e na minha cabeça. Aquela doença que certamente me acomete e da qual vou morrer. Rezo, rezo, rezo. O tempo parou e minhas filhas já devem estar angustiadas a minha espera. Se ninguém aparecer vou acabar berrando, vou chutar a porta e sair pelos corredores gritando que esse laboratório é uma merda. Respiro. Respiro e rezo. E ignoro o espelho. E suas reflexões. Não vou sair berrando por aí, nem vou chutar a porta ou brigar com as enfermeiras. Vou chorar porque não há mais salvação. Estou condenada. Só não me disseram ainda. –Senhora Márcia, vamos para a sala de ultrassom?, fala a MINHA enfermeira sorrindo solícita. Devolvo um sorriso desajeitado, quase triste, de vaca indo para o abatedouro, e saio atrás dela para a sala de ultrassom. Sigo as instruções, deito-me e espero pelo médico. Pelo menos agora a sala é bem maior, a luz é mais quente e não há espelhos. Apenas um monitor de onde verei ao vivo minhas doenças internas sem que o médico me diga NADA. Continuo rezando. Um Pai Nosso, uma Ave Maria, outro Pai Nosso. O médico entra. O exame começa. Vejo as imagens em P&B passando na minha frente, continuo rezando, mas tento ir mais distraída. – Está tudo bem. Não vejo nada com que se preocupar. O médico se levanta, aperta minha mão e sai. Finalmente o tempo descongela. Respiro aliviada. Volto para a salinha exígua, visto minha blusa cor de rosa, pego minha enorme bolsa amarela e me olho no espelho. Já posso refletir. Já posso existir novamente. E há tempo de sobra para pegar as crianças.

5 comentários:

  1. marcinha ,tudo q. vc . descreveu com maestria eu passei tb. esta semana. Exatamente igual ,to falando da descriçao do ambiente , das emoçoes e do panico. Foram 5 exames , das 10h as 14:30. agora no comportamento ,virei a mesa ,gritei , xinguei o (sitema ) ,atecnoologia , nao esperei para ver se estava bom pus a roupa e fui comer cachorro quente sentada num barzinho maneiro na calçada do leblom , montada nos meus 70 anos e num jejum q. jui saber depois desnecessario. ah ! esqueci tomei um cafe e fumei o melhor cigarro do mundo cheinho de nicotina . madrinha

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  2. Olá Márcia, sou o sobrinho da Sônia, tecnólogo em radiologia, conheço bem essas rotinas..
    Tirando todo o seu drama.. realmente é dessa forma que acontece.. não passa de pura rotina.. rsrs
    Mas foi bem descrito e o texto valeu! Vou recomendá-la para roteirista da Globo!!!
    Parabéns!

    Rodrigo

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  3. Amiga que sufoco,
    Pense mais leve agora que tudo já aconteceu.
    Eu sou adepta de que tudo está até toda prova em contrário, uma eterna jogadora no campo da felicidade, pois por mais que a gente se prepare para o que for , o que acontece é que de fato nunca estamos, assim enquanto há vida, viva.
    Abração + bjks, eu sei que é epoca de economizar mas essas atitudes podemos esbanjar até.
    Que bom que gostou do calendário, pois eu adoro o quase razoável.
    Tiça, ou melhor Patricia a numeróloga disse pra assumir meu nome, mas e o hábito?

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  4. Minha lindona,

    O texto está tão bem escrito que entrei com vc dentro da sala, rezei na sala de espera, outra vez fui pra sala e tb esmaguei os peitos na máquina (que sufoco, que dor, né?) e quase fui tb buscar as crianças na escola!

    Bom, o importante é que essas coisas tb passam... E a gente vai ficando cada vez melhor, ou mais escolada, pra o que der e vier...E QUE VENHA TUDO DE MUITO BOM E MARAVILHOSO PRA VC!!!! Bjs cheios de amor da tua amiga Dékinha

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  5. bem narrado.

    ufa! passou :)

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